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LIMEIRA COLORIDA

Arte e Falas de Alma — um documentário sobre cor, gesto e cidade
19min13s 2016 Documentário

Sinopse

"Limeira: Arte e Falas de Alma" é um documentário que mergulha na produção artística urbana da cidade de Limeira-SP, revelando muros como superfícies de disputa, afeto e expressão popular.

Filmado entre fevereiro e junho de 2016, o filme apresenta falas de artistas que ressignificam o espaço público com cor, poesia e gesto. Através de depoimentos sensíveis e imagens vivas, o documentário mostra como a arte de rua se inscreve no cotidiano como forma de presença e resistência.

Uma obra que revela a cidade como museu que respira pelos muros, onde a arte urbana ocupa o lugar da escultura contemporânea, moldando o espaço e disputando o sentido do lugar através de cor, palavra e gesto cotidiano.

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Ficha Técnica

Direção e Coordenação
Thiago Rinaldi Ming
Entrevista
Léa Moraes
Artistas
Dama, Medo, Pito, Tosko, Zéh Palito
Músicas
Diretriz
Vigarioz Crod Alien
Roteiro
Fabio Shiraga, Bia Helena, Gabriel José Siqueira, Jéssica Zuzi, João Guilherme Leite
Produção
Wellington Arruda, Leandro Macedo, Ester Buriti, Luis Rodrigues
Fotografia
Wellington Arruda
Fabio Shiraga
Operadores de Câmera
Luana Magalhães, Walter Wingeter, Danilo Fernandes, Saulo Vinícius, Lívia Lazaneo
Som Direto
Brenda Lima
Marcos Vinícius
Montagem e Finalização
Thiago Rinaldi Ming
Produzido por
NADA Audiovisual
Duração
19 minutos e 13 segundos

Crítica

"Particularmente entendo que o muro é da cidade. E esse é o museu da cidade." A frase surge entre falas espontâneas, ditas com a naturalidade de quem vive o que diz. Mas carrega em si uma tese inteira. No documentário Limeira: Arte e Falas de Alma, produzido entre fevereiro e junho de 2016 pela Oficina Cultural Carlos Gomes, o muro não é apenas suporte — é território simbólico. A cidade não é cenário — é matéria. E a arte de rua não é transgressão — é continuidade.

Continuidade de quê? De uma história antiga, anterior ao artista como indivíduo. "Aqueles buracos nas cavernas eram de todo mundo. E até hoje é." A frase ecoa uma compreensão ancestral da arte: não como produto assinado, mas como gesto coletivo de ocupação do mundo.

No documentário, não há doutrina, nem teoria. O que se vê é escuta. O que se ouve é urgência. Uma urgência que não grita — apenas respira. Os artistas falam de suas práticas como quem fala da rua onde mora. Com a mesma intimidade com que se aponta uma calçada esburacada ou se comenta um poste mal pintado. A cidade está ali, como está sempre, mas a arte a reencanta.

Entre sprays, frases, cores e silêncios, o documentário revela algo essencial: que a pintura de rua ocupa hoje o lugar da escultura. Não no sentido tradicional da obra monumental, mas no sentido expandido de forma pública, de presença espacial. A diferença não está na técnica — está na valoração. A escultura em bronze, cercada por base de concreto, ainda carrega aura. Já o grafite, mesmo quando monumental, ainda carrega suspeita.

Mas ambos moldam o espaço. Ambos interrompem o ritmo do olhar. Ambos disputam o sentido do lugar. E se o grafite, o lambe-lambe e o estêncil ainda não são plenamente reconhecidos como escultura, isso diz menos sobre sua linguagem e mais sobre a forma como o olhar é condicionado.

No filme, uma ideia se repete com leve variação: a arte urbana é de todos. Não apenas porque está acessível — mas porque nasce da mesma matéria que nos forma. É cidade que fala com cidade. É gesto que se mistura à rotina, mas que não se dissolve nela.

Ao registrar essas falas com câmera serena, montagem respeitosa e um ritmo que acompanha o tempo dos corpos, o documentário se torna também escultura — mas uma escultura de vozes. De relatos. De pequenos deslocamentos. Como quem sussurra ao lado do ouvido de uma cidade ocupada demais para ouvir.

O muro, neste documentário, é corpo público. E como todo corpo, tem cicatrizes, camadas, zonas de atrito. Ele não é apenas suporte — é superfície de tensão. Espaço por onde circula o conflito entre o que é permitido e o que é necessário.

"Aqui a gente planta um jardim, mesmo que as pessoas não queiram ver flor." A frase, dita sem mágoa e sem alarde, resume muito mais que uma poética — ela traduz uma postura. O artista que pinta o muro de Limeira não está fazendo apenas uma imagem: está oferecendo possibilidade. Uma tentativa de reencantar o lugar onde mora, onde passa, onde ainda sonha. Mesmo que não peçam. Mesmo que apaguem. Mesmo que não dure.

E é nesse ponto que o documentário Limeira: Arte e Falas de Alma encontra sua camada mais profunda. Ele não é sobre arte urbana como moda ou fenômeno cultural. Ele é sobre resistência sensível. Sobre artistas que constroem cotidiano a partir do que resta. Cor sobre o cinza. Palavra sobre o silêncio. Gesto sobre o esquecimento.

A arte que aparece no filme não é pensada para ser eterna. Mas também não é feita para sumir. Ela é feita porque precisa existir. Mesmo que só por uma tarde. Mesmo que só por um olhar distraído de quem passa. Como um traço de lápis que não grita, mas que avisa: alguém esteve aqui.

Se a cidade é um corpo, como o filme sugere, então a arte urbana é sua pele em mutação. Uma epiderme que se escreve e se rescreve. Que ganha tinta nova sobre a cicatriz antiga. Que se mostra com orgulho, mesmo sabendo que será raspada, pintada de novo, varrida. Mas também, às vezes, lembrada.

A repetição não é cansaço — é insistência vital. Não por teimosia, mas por compromisso. O mesmo artista que volta ao muro onde sua obra foi apagada está dizendo algo muito mais profundo: que a arte é o que mantém a cidade pulsando. Que sem esse gesto, tudo se transforma em passagem, em pressa, em ruído sem corpo.

Ao terminar, o filme não oferece conclusão. Nem tese. Nem resolução estética. O que ele entrega é um campo: um território onde a arte já está em movimento. A câmera apenas escuta. E isso basta. Porque a força do documentário está justamente nisso: ele não interpreta o gesto — ele o acompanha. E ao fazer isso, nos permite ver a cidade como algo ainda por fazer.

Em tempos em que tudo parece regulado por resultados e likes, Limeira: Arte e Falas de Alma aposta no valor daquilo que é vivo porque é presente. A arte que não precisa ser compreendida para ser sentida. O muro que não precisa de moldura para ser museu. E o artista que não precisa de aval para continuar plantando cor.

Porque, como dizem ali, "o muro é da cidade." E se é da cidade, é de quem sonha com ela.

Diego Giovani Bonifácio